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Bettelhein, B.. A psicanálise nos contos de fadas


criado em 05/03/2015, 09h05m.
Bettelhein, Bruno (2002). A psicanálise nos contos de fadas (The uses of enchantment: the meaning
and importance of Fairy Tales
). Trad. Arlene Caetano. São Paulo: Ed. Paz e Terra.


uma compreensão segura do que o significado da própria vida pode ou deveria ser é o que constitui a maturidade psicológica.

se as crianças fossem criadas de um modo que a vida fosse significativa para elas, não necessitariam ajuda especial.

Esta é exatamente a mensagem que os contos de fada transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana - mas que se a pessoa não se intimida mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa. As estórias modernas escritas para crianças pequenas evitam estes problemas existenciais, embora eles sejam questões cruciais para todos nós.

estórias "fora de perigo" não mencionam nem a morte nem o envelhecimento, os limites de nossa existência, nem o desejo pela vida eterna. O conto de fadas, em contraste, confronta a criança honestamente com os predicamentos humanos básicos.

É característico dos contos de fadas colocar um dilema existencial de forma breve e categórica. Isto permite a criança aprender o problema em sua forma mais essencial,

O conto de fadas simplifica todas as situações. Suas figuras são esboçadas claramente; e detalhes, a menos que muito importantes, são eliminados. Todos os personagens são mais típicos do que únicos.

o mal é tão onipresente quanto a virtude.

O mal não é isento de atrações

Não é o fato de a virtude vencer no final que promove a moralidade, mas de o herói ser mais atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as suas lutas.

forma e estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida.

Para dominar os problemas psicológicos do crescimento - superar decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis; obter um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação moral - a criança necessita entender o que está se passando dentro de seu eu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados

Quando o inconsciente está reprimido e nega-se a entrada de seu conteúdo na consciência, a mente consciente será parcialmente sobrepujada pelos derivativos destes elementos inconscientes, ou então será forçada a manter um controle de tal forma rígido e compulsivo sobre eles que sua personalidade poderá ficar gravemente mutilada. Mas quando o material inconsciente tem, em certo grau, permissão de vir à tona e ser trabalhado na imaginação, seus danos potenciais - para nós mesmos e para os outros - ficam muito reduzidos. Algumas

crença prevalecente nos pais é que a criança deve ser distraída do que mais a perturba; suas ansiedades amorfas e inomináveis, suas fantasias caóticas, raivosas e mesmo violentas.

Existe uma recusa difundida em deixar as crianças saberem que a fonte de tantos insucessos na vida está na nossa própria natureza - na propensão de todos os homens para agir de forma agressiva, não social e egoísta, por raiva e ansiedade.

queremos que nossos filhos acreditem que, inerentemente, todos os homens são bons. Mas as crianças sabem que elas não são sempre boas; e com freqüência, mesmo quando são, prefeririam não sê-lo. Isto contradiz o que lhes é dito pelos pais, e portanto faz a criança sentir-se um monstro a seus próprios olhos. A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às crianças, que o lado escuro do homem não existe,

a apresentação das polarizações de caráter permite à criança compreender facilmente a diferença entre as duas, o que ela não poderia fazer tão prontamente se as figuras fossem retratadas com mais semelhança à vida, com todas as complexidades que caracterizam as pessoas reais. As ambigüidades devem esperar até que esteja estabelecida uma personalidade relativamente firme

escolhas das crianças são baseadas não tanto sobre o certo versus o errado, mas sobre quem desperta sua simpatia e quem desperta sua antipatia.

questão para a criança não é "Será que quero ser bom?" mas "Com quem quero parecer?".

"E viveram felizes para sempre" ... ensinam que quando uma pessoa assim o fez, alcançou o máximo, em segurança emocional de existência e permanência de relação disponível para o homem; e só isto pode dissipar o medo da morte... formando uma verdadeira relação interpessoal, a pessoa escapa da ansiedade de separação que a persegue

final não se torna possível, como a criança deseja e acredita, agarrando-se na mãe eternamente.

Só partindo para o mundo é que o herói dos contos de fada (a criança) pode se encontrar;

O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a criança ... abandonar seus desejos de dependência infantil

estórias de fadas representam, sob forma imaginativa, aquilo em que consiste o processo sadio de desenvolvimento humano, e ... Este processo de crescimento começa com a resistência contra os pais e o medo de crescer,

Como sucede com toda grande arte, o significado mais profundo do conto de fadas será diferente para cada pessoa, e diferente para a mesma pessoa em vários momentos de sua vida.

Nós crescemos, encontramos sentido na vida e segurança em nós mesmos por termos entendido o resolvido problemas pessoais por nossa conta, e não por eles nos terem sido explicados por outros.

As estórias de fadas não pretendem descrever o mundo tal como é, nem aconselham o que alguém deve fazer. Se o fizessem, o paciente hindu seria induzido a seguir um padrão imposto de comportamento - o que não só é péssima terapia, como também o oposto de terapia.

As estórias de fadas não pretendem descrever o mundo tal como é, nem aconselham o que alguém deve fazer. Se o fizessem, o paciente hindu seria induzido a seguir um padrão imposto de comportamento - o que não só é péssima terapia, como também o oposto de terapia. O conto de fadas é terapêutico porque o paciente encontra sua própria solução através da contemplação do que a estória parece implicar acerca de seus conflitos internos neste momento da vida.

a preocupação do conto de fadas não é uma informação útil sobre o mundo exterior, mas sobre os processos interiores que ocorrem num indivíduo.

nos mitos, muito mais do que nas estórias de fadas, o herói da cultura se apresenta ao ouvinte como uma figura com a qual deve rivalizar na sua própria vida, ... Ele apresenta seu tema de uma forma majestosa; transmite uma força espiritual; e o divino está presente e é vivenciado na forma de heróis sobre-humanos que fazem solicitações constantes aos simples mortais. ... permaneceremos sempre e obviamente inferiores a eles.

O conto de fadas é apresentado de um modo simples, caseiro; não fazem solicitações ao leitor. ... reassegura, dá esperança para o futuro, e oferece a promessa de um final feliz. Por esta razão, Lewis Carrol chamou-o um "presente de amor" - um termo que dificilmente se aplicará a um mito.

As fábulas solicitam e ameaçam - são moralistas - ou apenas entretém.

deve aceitar o fato de suas próprias emoções poderem dominá-la de tal forma que não teria controle sobre elas - um pensamento muito assustador. A ideia de que dentro de nós podem residir forças que estão além de nosso controle é muito ameaçadora e não só para a criança.

Para uma criança, a ação toma o lugar da compreensão, e isto se torna cada vez mais verdadeiro quanto mais intensamente ela sinta.

ela não experimenta a raiva como raiva, mas apenas como um impulso de ferir, de destruir, de ficar silenciosa. Só perto da puberdade começamos a reconhecer nossas emoções pelo que são

os exageros fantásticos do conto de fadas dão-lhe o toque de veracidade psicológica - enquanto explanações realistas parecem psicologicamente mentirosas, embora verdadeiras de fato.

A mensagem de que uma pessoa não deve desistir, apesar de insucessos iniciais, é tão importante para as crianças que está contida em muitas fábulas

A mensagem é efetiva quando apresentada não como uma moral ou solicitação, mas de um modo casual que indica que na vida é assim.

método gentil, indireto e sem solicitações, e por conseguinte psicologicamente mais efetivo,

O conto de fadas nunca nos confronta diretamente, ou diz-nos francamente como devemos escolher.

impossível negar que as provações e aventuras dos heróis e heroínas do conto de fadas são sempre traduzidos em termos iniciatórios. Ora, isto me parece de importância primordial: desde o tempo - que é tão difícil determinar - em que os contos de fadas tomaram forma enquanto tais, os homens, tanto primitivos como civilizados, escutaram-nos com um prazer suscetível de repetição indefinida. Isto equivale dizer que os cenários iniciatórios - mesmo camuflados como o são nos contos de fadas exprimem um psicodrama que responde,a uma necessidade profunda do ser humano. Todo homem deseja experimentar certas situações perigosas, confrontar-se com provas excepcionais, entrar à sua maneira no Outro Mundo - e ele experimenta tudo isto, no nível de sua vida imaginativa, ouvindo ou lendo contos de fadas"

um atrativo desta literatura é que ela exprime o que normalmente impedimos de chegar à consciência.

no conteúdo dos contos, os fenómenos internos psicológicos recebem corpo em forma simbólica.

mitos e os contos de fadas; há também diferenças inerentes. ... há uma diferença crucial na maneira como são comunicados. ... (o que) um mito transmite é: isto é absolutamente singular; não poderia acontecer com nenhuma outra pessoa, ... nos contos de fada ... algo que poderia acontecer a você ou a mim ou à pessoa do lado ... final, que nos mitos é quase sempre trágico, enquanto sempre feliz nos contos. ... mito é pessimista, enquanto a estória de fadas é otimista, ... É esta diferença decisiva ... Os mitos tipicamente envolvem solicitações de superego em conflito com uma ação motivada pelo id, e com os desejos autopreservadores do ego. ... superego, como representado nos mitos pelos deuses, ... supremas representações de superego.

ansiedades infantis, preservadas intactas sob forma infantil na mente inconsciente. Mas esta possibilidade existe apenas

Quaisquer que sejam os acontecimentos estranhos que o herói do conto de fadas, vivencie, eles não o tornam sobre-humano, como ocorre com o herói mítico.

uma existência feliz embora comum é projetada pelos contos de fadas como o resultado das provações e tirbulações envolvidas nos processos normais de crescimento.

personagens míticos têm nomes, conto de fadas, em contraste, torna claro que fala de cada homem. Se aparecem nomes, fica bem claro que não são nomes próprios, mas nomes gerais ou descritivos. ... são "um rei" e "uma rainha", são disfarces leves para pai e mãe, assim como o são "príncipe" e "princesa" para menino e menina.

Os mitos projetam uma personalidade ideal agindo na base das exigências do superego, enquanto os contos de fadas descrevem uma integração do ego que permite uma satisfação apropriada dos desejos do id.

o lobo — o inimigo, ou estrangeiro de dentro,

Como os três porquinhos representam estágios no desenvolvimento do homem, o desaparecimento dos primeiros dois porquinhos não é traumático; a criança compreende inconscientemente que temos que nos desprender de formas primárias de existência se quisermos passar para elevadas.

Tanto os mitos como as estórias de fadas respondem a questões eternas: O que é realmente o mundo? Como viver minha vida nele? Como posso realmente ser eu mesmo? As respostas dadas pelos mitos são taxativas, enquanto o conto de fadas é sugestivo;
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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